ARGUMENTO
Sob o sol cruel e escaldante, num ambiente marcado por grande adversidade social e ambiental frente às constantes expectativas de seca, a resistência dos habitantes do Sertão Nordestino é colocada à prova cotidianamente.
Em meio ao cenário árido e desafiador, a cultura popular se resguarda na figura de pessoas que, através de um legado transmitido por gerações, têm a capacidade virtuosa de observar a natureza com o objetivo de fazer prognósticos reais da incidência de chuvas na sua região.
Essas celebridades do Nordeste são conhecidas entre os sertanejos como “Os Profetas da Chuva”, homens e mulheres que percebem os sinais fornecidos pela natureza e que, depois de suas analises adquiridas, as traduzem para as suas comunidades em forma de orientações de um melhor período para o plantio.
Nessas práticas, denominadas como “Experiências de Inverno”, Os Profetas estudam os fenômenos naturais que podem anunciar a chegada do período chuvoso no Sertão. O comportamento da fauna e da flora, a posição dos astros celestiais, algumas datas religiosas e até a sua relação de fé com os seus santos de devoção, servem como argumentos para as suas prestigiadas previsões.
Nesse saber diferenciado e ancestral, entre dezenas de experiências importantes estão: o comportamento assanhado das formigas; a agitação dos calangos; o florescer do mandacaru; as pedras de sal colocadas no sereno na madrugada do dia de Santa Luzia; a aparição da Estrela D’alva vinda do norte; a primeira lua cheia de janeiro surgir no firmamento, cercada de barras de nuvens; a garrafa enterrada embaixo de uma fogueira na festa de São João e a importância de chover no dia de São José, são alguns exemplos do valor empírico que esses visionários e suas pesquisas têm para os agricultores e vaqueiros das suas regiões.
A cidade de Quixadá, importante município cearense e onde se encontram os mais renomados desses Profetas, há quase 30 anos realiza o Encontro Anual dos Profetas da Chuva, evento que acontece no segundo final de semana de janeiro, onde cada um dos Profetas apresenta para um grande público de jornalistas, políticos e representantes do setor agropecuário, suas previsões para o inverno seguinte.
Um bom registro da importância dessas figuras e de seus saberes, é que já foram retratados em diversas xilogravuras, eternizados nas letras e canções de Luiz Gonzaga e seus parceiros Zé Dantas e Humberto Teixeira e, inclusive, serviram de inspiração para a literatura de cordel, particularmente, nos poemas de Patativa do Assaré. Também, podemos destacar como formas de valorização das atividades dos Profetas, seis livros escritos sobre o tema, algumas dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos científicos no Brasil e no exterior, dezenas de vídeos e documentários abordando o assunto em canais do Youtub, diversas matérias no site G1, reportagens no Jornal Nacional, um programa Globo Repórter em 2009, matéria no Fantástico e no SBT Repórter em 2011 e uma matéria de capa no jornal norte-americano The Wall Street Journal em 2006.
No momento em que o mundo inteiro passou a enxergar de forma mais aflita os desafios que a natureza impõe com as mudanças climáticas e onde a compreensão da relação do Homem com essa natureza se tornou algo essencial à sua própria sobrevivência, nós do GRES Sereno de Campo Grande, queremos exaltar esses personagens que durante décadas foram preteridos por historiadores e romancistas, dando-lhes o mesmo protagonismo tão intensamente creditado a outros ícones da cultura nordestina como Os Vaqueiros, Os Violeiros, Os Sanfoneiros, Os Beatos, Os Cangaceiros e As Rendeiras.
Nossa intensão é que, a partir do nosso desfile de 2025, Os Profetas da Chuva passem a ser definitivamente reconhecidos e que essa homenagem se traduza numa leitura carnavalizada das principais experiências dos Profetas. Desta forma, apresentamos a todos vocês o Enredo: “No Sertão, Se Onde Tem Sereno, Têm Corujas, Onde Existem Profetas... Têm Chuvas!!!”
Texto, Marcello Portella.
"A maior riqueza do sertanejo é a água, sem água não se produz nada e quando chove é só alegria, até o boi berra ao se banhar nas águas; a alegria do sertanejo é a chuva” (Sertanejo Anônimo)
“Mandacaru quando "fulora? na seca é o sinal que a chuva chega no sertão...” (Luiz Gonzaga - Zé Dantas, O Xote das Meninas)
SINOPSE
O cenário é de um chão rachado vermelho-alaranjado castigado pelo sol escaldante e ardente, entre mandacarus e calangos e uma seca que apavora, meu Nordeste geme e chora quando a fome se faz presente.
E quando a acauã vinda do horizonte pousa soltando o seu canto, que mais parece um lamento, é chegada a derradeira hora, o inevitável momento, em que o sertanejo roga e ora, pede a Deus e quase implora, pra que chova e que também venha dos céus a tão desejada água, que não lhe sai do pensamento, pra que ele não se torne um retirante e que não tenha que ver distante “a terra em que nasceste”.
E como uma benção divina surge aquele que domina o conhecimento ancestral, é ele que observa noite e dia a posição dos astros, a vegetação agreste e o comportamento animal.
Se a lua cheia surge na noite azul celeste cercada de barras de nuvens e de estrelas cintilantes, se as formigas ficam assanhadas, se o joão-de-barro muda a porta do seu ninho, se os calangos ficam agitados, se o mandacaru aflora, são Os Profetas que lá estão informando às comunidades, sem demora e com bravura, os estudos que servirão como base para a agricultura.
E que essas observações sejam, pela nossa preferência, sempre “a boa experiência”, que para o sertanejo é a ideal, aquela que melhor indica, pelo maior período, da incidência de chuvas, e que venha um temporal!
Sou Eu... Eu Sou O Profeta da Chuva, dono desse aprendizado, tradutor dessa cultura, herdeiro desse legado, passado de pai pra filho e de filho pra neto passado. Virei figura importante, de altíssima relevância, pois com a minha orientação é que os homens do campo preparam as suas terras, organizam o seu plantio e cuidam do seu roçado.
Sou o cabra abençoado que coloca em evidência a relação entre os homens e a força da natureza. Deveras o mais preocupado com toda a questão climática, com a harmonia entre os seres, com o respeito à convivência, com a preservação e o cuidado, e que tudo isso esteja sempre muito bem equilibrado por Deus na sua grandeza.
Com as bênçãos de “padim” Cícero, eu sigo a tudo observando, também com A Religiosidade, os agricultores à minha volta, com fé vou orientando. Se é dia de São José, nosso amado padroeiro, sabe-se que se chover nesse dia será uma chuva de bênçãos, de água do céu caindo pra mais do que um mês inteiro.
Já na madrugada do dia de Santa Luzia, entre orações e louvores, entre palmeiras e flores, os devotos e romeiros que a divina Santa tem, colocam pedras de sal no sereno e logo ao amanhecer observam aquelas que estão desmanchando, as que começam a derreter, pois são elas que indicam com toda a certeza, da mais acertada experiência, os meses que a chuva vem.
E se tem xote e quadrilha, se tem dança e cantoria, se é noite de São João, é bom enterrar uma garrafa com água até o gargalo, onde se pula a fogueira, onde se solta o balão. E se depois terminada a festa, essa mesma garrafa que falo, ainda estiver muito cheia e com a água quase inteira, essa é uma experiência que presta porque ela representa as boas chuvas que virão.
No importante setor das Artes, me vi homenageado. E na Literatura de Cordel, eu e minhas experiências, por vezes fomos citados. Servindo até de inspiração pra um poeta renomado, o principal cordelista, aquele que do Nordeste um grande representante é, me vi orgulhosamente, exaltado devidamente, nas linhas dos ilustres poemas de Patativa do Assaré. E nas capas dos cordéis, na arte das Xilogravuras, vi as experiências e os profetas dignamente retratados em dezenas de imagens com beleza e formosura.
Outro registro importante veio do Rei do Baião, passeei reverenciado nas letras e melodias das canções do Gonzagão. Pelas pautas, partituras, em suas notas musicais, também servi de inspiração, pra Humberto Teixeira e Zé Dantas, seus parceiros principais. Canções que foram gravadas, em relicários discos de 78 rotações, permitindo que o Nordeste, as experiências e os profetas ficassem eternizados, em versos inesquecíveis carregados de emoções.
Com esse meu dom divino, todo esse meu estudo pro pequeno agricultor serve de referência, se semear milho e feijão no sereno... Sereno onde tem coruja, se for boa a experiência, tem... tem chuva!!! Pode programar seu plantio, que é certo que vai ter água pra inundar todo o rio, encher os reservatórios, açudes e mananciais, matar a sede dos homens e também dos animais.
E se a alegria do sertanejo é a água, a minha alegria agora é nessa avenida receber esse devido prestígio, me ver com Honras e Glórias depois de ter sido, injustamente, tantas vezes esquecido. Esquecido nos anais da história, esquecido na literatura, esquecido pela ciência, esquecido pela cultura.
Mas hoje, nesse desfile, ganho reconhecimento, eu sou um profeta feliz recebendo o meu provento, me permitindo ser mais um sertanejo que não para de sonhar, que um dia no meu sertão vai ter tanta água, que o seu chão vai virar mar, e que se alegre O Vaqueiro, deixa o seu boi se banhar.
Numa chuva reluzente, eu vejo muita euforia, vejo os ícones do Nordeste, transbordando de alegria. Vejo As Rendeiras se banhando, sob gotas de esperança, está confirmado esse pacto, reforçada essa aliança, sou O Profeta Homenageado, parte dessa Agremiação, chego dançando um xaxado e que se toque um baião, que vibre O Sanfoneiro e que também se alegre O Violeiro com os acordes da viola. Vixe!!! É hoje o dia! Tem Água Em Abundância no Sertão da Minha Escola!!!
Texto/Enredista: Marcello Portella